Ética, Sabedoria e Advocacia
- Fernando Pansera
- 15 de abr.
- 3 min de leitura

Li uma frase de Santo Tomás de Aquino que me deixou pensativo: "quem se afasta do fim devido, necessariamente há de propor-se algum fim indevido, porque, todo agente age em virtude de um fim". Meditei sobre a leitura e gostaria de compartilhar algumas reflexões.
Acredito que aquela afirmação deveria ressoar com força no coração de todo advogado que se propõe a exercer sua profissão como uma verdadeira vocação. Dentro do contexto da prática jurídica, ela nos adverte de um risco silencioso: o de reduzirmos nosso trabalho a um conjunto de estratégias e procedimentos sem um fim superior claramente reconhecido.
Na prática forense contemporânea, marcada muitas vezes por um tecnicismo exagerado ou por um ecletismo confuso de teorias e precedentes, é comum que o profissional se veja reduzido a um mero aplicador de leis e jurisprudência, a um escrevinhador pedante e prolixo ou a um mero burocrata prestador de serviços legais. Ao agir assim, pode acabar se esquecendo da pergunta fundamental que deveria nortear cada caso: "Qual é o verdadeiro fim da sua ação como advogado?"
Santo Tomás nos recorda que todo agente age em virtude de um fim – ou seja, nenhum ato humano é neutro ou desprovido de direção. Quando o profissional do Direito não tem clareza sobre o bem último que deseja alcançar com seu cliente e com a sociedade, poderá se desencaminhar para fins menores e por vezes até indevidos.
Por isso, a sabedoria, enquanto virtude superior, se faz absolutamente necessária. Não basta ter conhecimento técnico ou habilidades de argumentação. É preciso, acima de tudo, julgar e ordenar todas essas coisas a partir de um fim verdadeiro, e isso é próprio da sabedoria.
Um advogado sem sabedoria pode até obter algumas vitórias, mas corre o risco de desordenar a justiça por não conduzir o caso segundo a verdade e o bem comum. É a sabedoria que permite enxergar além da técnica processual, além dos interesses imediatos do cliente, além dos precedentes isolados. O advogado sapiente não apenas defende um cliente, mas o orienta rumo à solução ideal, justa e ética para o seu conflito – respeitando sua autonomia.
Dessa forma, o advogado não deve se perguntar apenas “o que devo fazer neste processo?”, mas, sobretudo, “aonde quero levar este caso?” – e que essa finalidade almejada esteja de acordo com o que a justiça exige, com o que a lei busca proteger, e com o bem da sociedade como um todo. Sem sabedoria, a técnica subjuga a justiça. Com sabedoria, a técnica se torna um instrumento ordenado ao bem comum e à resolução equitativa dos litígios. No fundo, essa é a diferença entre um técnico que maneja leis e um profissional vocacionado que verdadeiramente serve à justiça e à sociedade.
A advocacia verdadeiramente eficaz exige mais do que a repetição mecânica de artigos de lei e citações jurisprudenciais aprendidas em manuais ou cursos de formação: exige sabedoria – essa virtude superior que permite ao advogado julgar e ordenar todas as coisas a partir de um fim verdadeiro. Muitos profissionais permanecem presos ao nível superficial do conflito humano, reagindo apenas ao que surge: um argumento legal isolado, um precedente favorável, uma estratégia processual. Mas a verdadeira justiça está onde o olhar meramente técnico não alcança. Ali, só a sabedoria pode penetrar.
A sabedoria do advogado não pode se restringir ao conhecimento dos casos que estudou; deve transcender a mera prática e propiciar uma forma de ver que nasce da prudência, da maturidade, da boa percepção e da escuta atenta das partes e do contexto social, além do desejo real de conduzir a resolução do conflito ao bem que é devido a cada um. O ser humano não é uma máquina de aplicar normas com a exatidão e inflexibilidade de um computador. Ao contrário, o Direito é a aplicação da lei, dos princípios e da jurisprudência em pessoais reais e situações concretas. E cada pessoa é uma unidade complexa (de fatos vividos, sentimentos, ideias, desejos, direitos e deveres) e seu litígio é, muitas vezes, um clamor por ordem, justiça e verdade.
Por isso, o atendimento ao cliente - longe de ser um protocolo frio de análise de fatos e provas - deve tornar-se um ato de caridade e prudência, no qual o advogado o ajuda com sabedoria, responsabilidade e humildade, buscando a justiça como fim último. Técnica sem sabedoria pode vencer uma causa, mas não restaura a harmonia social nem promove a verdadeira justiça.
Fonte: Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica: Questão 45, Art. 1.



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