O comentário no site "Reclame aqui" que virou processo por Dano Moral.
- Fernando Pansera
- 7 de abr.
- 4 min de leitura
Qual é o limite do direito de reclamar na internet?

Imagine o tremor nas mãos ao receber uma intimação judicial. Para Ana Paula, servidora pública, o susto foi ainda maior: um renomado cirurgião plástico, o mesmo que havia realizado um procedimento estético em seu rosto, exigia nada menos que cem mil reais por danos morais. O motivo? Uma simples reclamação feita em site na internet (plataforma Reclame Aqui) onde ela manifestou sua insatisfação com a cirurgia plástica.
O coração de Ana Paula disparou a ler aquele número: "Cem mil reais!" Uma quantia absurda que representava anos de trabalho e economias. "Cometi algum erro ao expressar minha frustração com o resultado da cirurgia?".
Ana procurou seu advogado imediatamente. Ela precisava de alguém que pudesse ouvir sua história, entender seu lado e, principalmente, defendê-la.
A verdade era que Ana Paula investiu mais de 25 mil reais em um procedimento estético de rejuvenescimento facial (lipoenxertia). A promessa de um rosto bonito deu lugar a quinze dias de deformação, a cabeça anestesiada, uma sobrancelha com assimetria e enxaquecas persistentes. Para piorar, ela não ficou mais bonita: "resultado zero" foi o que ela mesma descreveu em sua reclamação online.
Naquele site, Ana Paula narrou sua experiência: a dor e a frustração de um investimento que não trouxe o resultado esperado. Um simples relato sincero de uma consumidora insatisfeita com um serviço pago. Mas o cirurgião plástico não gostou do comentário e decidiu processar sua paciente.
O Tribunal de Justiça, sensível à voz de Ana Paula e à importância da livre manifestação do pensamento, negou o pedido do cirurgião. Os desembargadores entenderam que a reclamação online não havia ultrapassado os limites da razoabilidade, sendo apenas a exposição da experiência vivenciada pela paciente.
A decisão foi clara: o direito de expressar a insatisfação como consumidor prevalece sobre o pedido de indenização por dano moral, especialmente quando não há ofensas ou acusações infundadas.
Quando seu advogado deu a notícia da vitória no processo Ana Paula falou, com a voz embargada:
"Ah, que alívio! Saber que a justiça foi feita, que eu não fui punida por apenas dizer o que senti... Mas a indignação ainda queima aqui dentro. Fui processada por reclamar de algo que me deixou deformada, que me fez gastar um dinheiro que suei tanto para conseguir, e ainda por cima, não fiquei bonita! Que ironia cruel... ao menos, essa batalha judicial me mostrou que a minha voz ainda é ouvida e que a verdade prevalece".
Esse caso reforça a importância de conhecer nossos direitos como consumidores e da necessidade de contar com um advogado de confiança para nos guiar em momentos de incerteza.
História inspirada no Processo TJSP Nº 1039698-50.2024.8.26.0100.
*Ana Paula é um nome fictício utilizado para preservar a identidade da parte.
Entenda qual é o limite do direito de reclamar
A Constituição da República do Brasil protege, em seu artigo 5º, IV, a liberdade de manifestação do pensamento, sendo proibido o anonimato. Este direito fundamental estende-se às relações de consumo, permitindo que o consumidor expresse suas opiniões e insatisfações sobre produtos e serviços adquiridos.
Plataformas online como o "Reclame Aqui" tornaram-se importantes instrumentos para o exercício dessa liberdade, permitindo que consumidores compartilhem suas experiências e alertem outros sobre práticas inadequadas de fornecedores.
Contudo, essa prerrogativa não é absoluta e encontra limites no direito à honra, à imagem e à reputação, previstos no artigo 5º, inciso X, da Constituição e também tutelados pelo Código Civil e Código Criminal.
O consumidor tem o direito legítimo de reclamar quando se sentir lesado por um produto ou serviço que não atende às suas expectativas ou apresenta vícios. A simples manifestação de insatisfação, narrando os fatos de forma objetiva e sem intenção de difamar ou injuriar o fornecedor, configura o exercício regular de um direito.
Nesse contexto, o mero dissabor, entendido como contratempos e frustrações cotidianas que não atingem a esfera da honra objetiva ou subjetiva de forma significativa, geralmente não enseja a reparação por dano moral. A linha divisória entre o mero dissabor e o dano moral indenizável reside na intensidade e na repercussão da conduta lesiva.
A liberdade de expressão do consumidor, embora fundamental, encontra limites quando ultrapassa a mera narrativa de fatos e ingressa no campo da ofensa à honra (atingindo a reputação e a dignidade do fornecedor) ou da difamação (imputando fatos falsos que maculem a imagem do fornecedor).
A jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a crítica construtiva e a manifestação de insatisfação, ainda que contundentes, são lícitas quando exercidas dentro dos limites da razoabilidade e da boa-fé. Contudo, a utilização de termos pejorativos, ofensivos, a divulgação de informações falsas ou a intenção clara de prejudicar a imagem do fornecedor podem configurar abuso do direito e ensejar a responsabilização civil por dano moral.
No caso narrado, a decisão do Tribunal de Justiça demonstra um equilíbrio entre o direito do consumidor de expressar sua insatisfação e o direito do fornecedor de ter sua honra preservada. A corte entendeu que a reclamação da cliente no site "Reclame Aqui" limitou-se a narrar sua experiência negativa com o procedimento estético, sem proferir ofensas ou imputar atos ilícitos ao médico.
A ausência de abuso no exercício da liberdade de expressão, aliada à comprovação da insatisfação da consumidora com o resultado do serviço, afastou a pretensão indenizatória do cirurgião. A decisão reforça a importância de um diálogo transparente e respeitoso entre consumidores e fornecedores, onde a crítica construtiva é um motor para a melhoria dos serviços e produtos.
Portanto, o direito de reclamar é uma ferramenta essencial para a proteção do consumidor, garantido pela liberdade de manifestação do pensamento. Contudo, esse direito deve ser exercido com responsabilidade, evitando excessos que possam configurar ofensa à honra e gerar o dever de indenizar. A busca por um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção da reputação é fundamental para a construção de relações de consumo mais justas e transparentes.



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