AMOR E FINANÇAS: o prejuízo que poderia ter sido evitado com um contrato de União Estável
- Fernando Pansera
- 15 de out. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 16 de out. de 2024

BASEADO EM UM CASO REAL
Aline sempre se orgulhou de sua independência. Aos 43 anos, era uma mulher bem-sucedida, arquiteta renomada, dona de um apartamento grande e bem decorado, onde cada detalhe refletia seu bom gosto. Como era solteira e não tinha filhos, tinha tempo para cuidar de sua saúde, viajar e praticar atividades físicas.
Na festa de uma amiga, algo inesperado aconteceu. Entre brindes, conversas e risos, seus olhos cruzaram com os de Fábio, um jovem garçom de 28 anos, com uma energia irresistível e um corpo atlético. A simpatia foi mútua, e Aline sentiu uma atração que não experimentava há muito tempo.
Mas os dias se passaram e ela se esqueceu daquele rapaz. Até que o destino, com sua maneira misteriosa, interveio novamente. O pneu do carro de Aline furou e ela perdeu tempo indo na borracharia para fazer o reparo. Precisou ficar no seu escritório por mais tempo, para terminar um projeto. Como ela não gostava de faltar à academia, foi à noite, em um horário que não costumava ir. Lá encontrou Fábio.
Numa conversa casual, os dois trocaram telefones e, poucos dias depois, começaram a sair juntos. O romance logo floresceu. Fábio era divertido, carismático e os dois compartilhavam uma paixão por esportes e aventura. Em pouco tempo, Fábio começou a passar mais tempo no apartamento de Aline, até que acabou se mudando para lá em definitivo.
Aline estava radiante, sentia-se viva e jovem novamente. Contudo, sua irmã Tânia, sempre cautelosa, não compartilhou do mesmo entusiasmo. Durante um almoço, ela expressou sua preocupação: Fábio era novo na cidade, garçom autônomo e sem grandes posses nem formação acadêmica. Embora o amor estivesse florescendo, Tânia sugeriu que Aline tomasse precauções para proteger seu patrimônio.
Foi então que Carlos entrou em cena, um jovem advogado de confiança, indicado por Tânia. Carlos explicou, de maneira clara e objetiva, a importância de elaborar um Contrato de União Estável com o regime de separação de bens.
- Isso não é um casamento, mas é um documento que define a divisão de bens, assegurando que, em caso de separação, cada um dos parceiros mantenha seu próprio patrimônio e vida financeira. Ele te protege, especialmente se Fábio adquirir dívidas ou obrigações financeiras. - Explicou Carlos.
Com o contrato redigido, Aline conversou com Fábio. Ele inicialmente ficou desconfortável, achando que ela não confiava nele, mas Aline explicou com paciência que era algo sensato e que protegeria ambos. Fábio, por fim, concordou e assinou o documento, afinal, estava vivendo uma experiência romântica incrível. Carlos recomendou que Aline registrasse o contrato no Cartório de Registro Civil o quanto antes, garantindo sua validade legal.
O tempo passou e o romance continuou intenso: Aline e Fábio compartilhavam uma vida cheia de aventuras, com jantares românticos, dias repletos de atividades físicas, esportes e viagens. Tudo parecia perfeito... até que, numa tarde, o inesperado aconteceu.
O som da campainha interrompeu o silêncio confortável de seu lar, e ao abrir a porta, Aline deu de cara com um oficial de justiça. "Fábio mora aqui?", perguntou ele.
Assustada, Aline confirmou. O oficial entregou-lhe uma intimação e começou a listar bens para penhora: a televisão de tela plana, a máquina de lavar roupas moderna, até as obras de arte. Quando o oficial de justiça saiu, Aline quase desmaiou e precisou sentar-se no sofá. Quando recuperou as forças ela telefonou para Carlos e solicitou uma consulta urgente.
NA CONSULTA, Carlos revelou a verdade que Aline jamais esperava. Fábio, dono de uma empresa em outra cidade, havia acumulado enormes dívidas devido ao fracasso do negócio. Os credores procuravam por bens em nome da empresa, mas nada encontraram, de modo que fizeram um requerimento ao juiz pedindo a “desconsideração da personalidade jurídica”, uma medida que permite responsabilizar pessoalmente o proprietário da empresa, ultrapassando a proteção usual oferecida por uma pessoa jurídica. O juiz acatou o pedido e determinou a intimação de Fábio e a penhora e leilão de seus bens para pagar as dívidas.
Dr. Carlos perguntou a Aline se ela havia levado o contrato de união estável ao cartório para registro. Aline ficou vermelha e admitiu que havia se esquecido completamente. Com calma, Dr. Carlos explicou que, sem o registro, o contrato tinha efeito apenas entre eles dois, mas não perante terceiros. Agora, os bens que estavam no apartamento de Aline corriam o risco de serem penhorados e vendidos para pagar as dívidas de Fábio. Mesmo assim, ele recomendou que ela fizesse o registro do contrato, o que ele fez logo após sair do escritório.
Além disso, Aline contratou o Dr. Carlos para atuar no caso. O advogado elaborou uma petição, argumentando que os bens pertenciam exclusivamente a Aline e não poderiam ser penhorados por dívidas de Fábio.
- Se o contrato tivesse sido registrado, seria muito fácil proteger seus bens e não estaríamos passando por isso - disse Carlos.
Aline sabia que havia sido negligente, mas agora confiava em Carlos para resolver o problema e, ao mesmo tempo, prometeu a si mesma que jamais ignoraria um conselho jurídico novamente.
A tensão no apartamento de Aline ficou insuportável após a visita do oficial de justiça. O choque inicial deu lugar a um confronto intenso entre ela e Fábio.
- Por que você nunca me contou sobre essas dívidas? Aline exigiu saber, com lágrimas de frustração nos olhos. Você sabia que isso poderia acontecer, não sabia? - Disse Aline.
Fábio, visivelmente abalado, tentou explicar: Aline, eu te disse que tive uma empresa antes de vir para cá... Mas eu realmente achei que, quando fechei a empresa, as dívidas tinham sido liquidadas, porque a empresa não tinha patrimônio. Não fazia ideia de que eu poderia ser processado pessoalmente! Eu nunca quis te esconder nada. Eu só... eu não sabia que isso era possível!
Ainda zangada, Aline rebateu: Mas como você pode não saber algo assim? Estamos vivendo juntos, eu confiei em você, e agora minha televisão e minhas coisas serão levadas a leilão!
Fábio se sentou, abatido, a mão passando pelo cabelo enquanto tentava se acalmar:
Eu sinto muito, Aline... Mas eu não sou advogado, eu realmente pensei que fechar a empresa era o fim. Não fazia ideia de que os credores podiam vir atrás de mim pessoalmente. Se eu soubesse, teria feito as coisas de outra forma.
Após mais alguns minutos de desabafo, Aline finalmente começou a perceber que Fábio, embora ingênuo, não agiu de má fé. Ele simplesmente não conhecia as intricadas
leis empresariais e as consequências jurídicas de suas ações. Ainda abalada, ela suspirou e falou: Eu entendo que você não sabia, mas agora eu vejo como é importante ter orientação jurídica. Eu também errei ao deixar de registrar aquele contrato de união estável. Se eu tivesse feito isso na hora certa, talvez teria evitado esse problema.
Após algum tempo, os dois se acalmaram e perceberam que, apesar dos erros, o amor dos dois era maior. Ambos perceberam que as questões jurídicas não se resolvem sozinhas e que, sem a orientação adequada, até os erros mais inocentes podem ter consequências devastadoras.
Os bens estavam penhorados e poderiam ser levados a leilão: um televisor que tinha custado R$ 7.000,00, uma máquina de lavar roupas no valor de R$ 5.000,00, esculturas avaliadas em R$ 10.000,00, quadros que Aline tinha comprado na França por novecentos euros e outros bens. Como poderiam evitar isso?
ALINE HAVIA CONTRATADO Dr. Carlos para representar seus interesses perante o Poder Judiciário. Após semanas de espera e procedimentos judiciais, a decisão finalmente saiu. O juiz analisou o caso de forma detalhada e expôs os motivos de sua decisão de maneira clara: A questão principal era se a penhora dos bens de Aline seria válida, considerando que o contrato de união estável com separação de bens somente foi registrado no cartório alguns anos depois da assinatura.
O juiz explicou que a existência de um contrato escrito de união estável é, sim, suficiente para definir o regime de bens entre o casal. O contrato estabelece, por exemplo, quais bens serão partilhados em caso de separação e como o patrimônio deve ser tratado.
No entanto, o contrato particular somente possui validade para o casal — ou seja, suas regras valem apenas para questões internas, entre Aline e Fábio. Para proteger os bens de Aline em relação a terceiros — como os credores de Fábio — o contrato precisava ter sido registrado no cartório antes da penhora ser autorizada pois, sem o registro, o contrato não tem 'publicidade' suficiente, ou seja, não é oponível contra terceiros. Em termos simples, sem o registro público o contrato só vale para o casal, não para o mundo externo.
Como o registro só foi feito depois que o juiz já havia determinado a penhora, o contrato de união estável ainda não tinha efeitos legais externos na época em que a dívida foi cobrada. Isso significa que, quando o juiz decidiu pela penhora dos bens no apartamento de Aline, ele não tinha conhecimento de que existia um acordo de separação de bens entre Aline e Fábio.
Portanto, a penhora foi considerada válida, pois os credores não tinham como saber da existência do contrato na época. A decisão final do juiz foi que a penhora dos bens no apartamento de Aline deveria continuar.
No entanto, o contrato de União Estável não foi inútil! Graças a esse documento o juiz determinou que deveria ser resguardada a meação, de modo que o produto da alienação dos bens móveis penhorados fosse revertido, em parte, para Aline. Isso significa que metade do valor obtido com o leilão dos bens deveria ser destinado para Aline (de modo que ela garantiu a proteção de metade dos seus bens). Com essa decisão, Aline percebeu a importância do trabalho de seu advogado que, com um simples documento, garantiu a proteção de parte de seu patrimônio. Além disso, se ela tivesse seguido à risca as orientações do Dr. Carlos, teria protegido a totalidade de seu patrimônio.
Apesar do susto, da decepção e do prejuízo, Aline e Fábio seguiram adiante. Fábio conseguiu um emprego como vendedor em uma grande empresa e prometeu a Aline que recuperaria o prejuízo que ele causou. Agora, cada decisão importante seria tomada com o acompanhamento do Advogado e eles sabiam que, em tempos de incerteza, a assistência jurídica não era apenas um luxo, mas uma necessidade.
OBSERVAÇÃO: A história narrada foi embasada na decisão proferida no Recurso Especial Nº 1.988.228 – PR, que versa sobre o contrato de união estável e seus efeitos patrimoniais. Os personagens da presente narrativa possuem pseudônimos. A história narrada possui o incremento de fatos fictícios e elementos dramáticos.



Comentários